José Otávio, esse paulista
gaúcho, é uma das mais gratas surpresas literárias de um tempo tão preocupado
com a objetividade, os resultados, a uniformização da experiência e a
constrição falsamente universal do mundo do espetáculo. Como quem não quer
nada, ele vem chegando. A poesia é a única coisa que não dá nada pra ninguém –
já dizia Paulo Leminski – o poeta (homem mundano com o coração aos solavancos)
no fogo cruzado entre ser violentado pela linguagem (páthos cruel da condição humana) e transformá-la, torcê-la, secá-la
no varal das coisas escondidas.
Nesse “Desacreditações
Recreativas”, Carlomagno explora aspectos temáticos recorrentes em sua produção
poética anterior, como, por exemplo, a preocupação e interação com as forças do
cotidiano (a vida ordinária, as pequenas coisas do dia-a-dia), interrogações
sobre questões sociais da atualidade (o apedrejamento de mulheres, o Hubble, o
câncer), a natureza (com um olhar que faz uso de conhecimento das ciências
naturais), aproximações com a filosofia (tanto a ocidental quanto o pensamento
de certas vertentes orientais), entre outros. Mas sem deixar de amolar a faca
ambígua da ironia – ora falando dele (Sempre
perco o azimute/ em horas banais), ora mirando o mundo (Deve ser por isso/ que ninguém liga para/ as
epidemias da África.)
Esses poemas sem título de José –
longe de escamoteá-las ou negá-las – assumem suas influências e fontes, entre
elas a melhor tradição modernista brasileira (poemas aforísticos, linguagem
coloquial, tom por vezes próximo à prosa, temática múltipla com certa
preocupação social etc.), conversando, todavia, com as vanguardas do século XX
(o que denota aí a leitura dos surrealistas e dos concretistas – por exemplo).
Em se tratando de ritmo e canto, o volume alcança unidade geral que pressupõe,
como já dito, a existência do leitor qualificado de poesia convivendo junto ao
poeta e, mais, alguém que tem os dois pés na música (José Otávio vive a
surpreender a gente: além de músico, é um exímio fazedor de guitarras).
A poesia, como o mar em um poema
de Rilke, nos devolve um autor que se preocupa em transitar entre tradição a
contemporaneidade, depois de temporais e vastos desertos. O mais importante de
tudo, talvez, é que nem ele, nem a poesia estejam preocupados com isso, e sigam
seu destino entre guabijús e agapantos, a bolinar a linguagem desavergonhada.
Desacreditações Recreativas
José Otavio Carlomagno
Poesia
140 páginas
Editora Modelo de Nuvem
Gestão de Projeto: Tum Tum Produções
Finciamento: Financiarte Caxias do Sul
Preço: 22,00
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